segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Servidão Voluntária, ou Como as pessoas se deixam enganar

Em 1563, Etienne de La Boétie escreveu o texto Discurso Sobre a Servidão Voluntária, onde expõe com clareza como as pessoas pode se deixam ser "escravizadas" por governantes. Governantes que apenas pensam em seus próprios benefícios,  roubando, extorquindo e destruindo aqueles que lhes deram o honra de comandar. Apesar do texto ter quase 500 anos, é muito atual, o que mostra como o ser humano pouco evoluiu, no seu âmago, no convívio em sociedade e no tratamento com seus semelhantes.
Abaixo, destaquei alguns trechos do discurso que, para um leitor desavisado, poderiam se referir à situação política do Brasil na atualidade.

Discurso Sobre a Servidão Voluntária
por Etienne de La Boétie, 1536.
(...)
Digno de espanto, se bem que vulgaríssimo, e tão doloroso quanto impressionante, é ver milhões de homens a servir, miseravelmente curvados ao peso do jugo, esmagados não por uma força muito grande, mas aparentemente dominados e encantados apenas pelo nome de um só homem cujo poder não deveria assustá-los, visto que é um só, e cujas qualidades não deveriam prezar porque os trata desumana e cruelmente.
(...)
Assim são os tiranos: quanto mais eles roubam, saqueiam, exigem, quanto mais arruínam e destroem, quanto mais se lhes der e mais serviços se lhes prestarem, mais eles se fortalecem e se robustecem até aniquilarem e destruírem tudo. Se nada se lhes der, se não se lhe obedecer, eles, sem ser preciso luta ou combate, acabarão por ficar nus, pobres e sem nada; da mesma forma que a raiz, sem umidade e alimento, se torna ramo seco e morto.
(...)
Aquele a quem o povo deu o Estado deveria ser mais suportável; e sê-lo-ia a meu ver, se, desde o momento em que se vê colocado em altos postos e tomando o gosto à chamada grandeza, não decidisse ocupá-los para todo o sempre. O que geralmente acontece é tudo fazerem para transmitirem aos filhos o poder que o povo lhes concedeu. E, tão depressa tomam essa decisão, por estranho que pareça, ultrapassam em vício e até em crueldade os outros tiranos; para conservarem a nova tirania, não acham melhor meio do que aumentar a servidão e afastar tanto dos súditos a idéia de liberdade que eles, tendo embora a memória fresca, começam a esquecer-se dela.
(...)
Incrível coisa é ver o povo, uma vez subjugado, cair em tão profundo esquecimento da liberdade que não desperta nem a recupera; antes começa a servir com tanta prontidão que parece ter perdido não a liberdade mas a servidão.
(...)
Assim é: os homens nascem sob o jugo, são criados na servidão, sem olharem para lá dela, limitam-se a viver tal como nasceram, nunca pensam ter outro direito nem outro bem senão o que encontraram ao nascer, aceitam como natural o estado que acharam à nascença.
(...)
O camponês e o artesão, embora servos, limitam-se a fazer o que lhes mandam e, feito isso, ficam quites.  Os que giram em volta do tirano e mendigam seus favores, não se poderão limitar a fazer o que ele diz, têm de pensar o que ele deseja e, muitas vezes, para ele se dar por satisfeito, têm de lhe adivinhar os pensamentos.
(...)
A amizade é uma palavra sagrada, é uma coisa santa e só pode existir entre pessoas de bem, só se mantém quando há estima mútua; conserva-se não tanto pelos benefícios quanto por uma vida de bondade.
(...)

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Qual linguagem você mais usa?

Está rolando o Twitter Code 2014. Para quem não conhece, essa é uma pesquisa sobre as linguagens mais utilizadas pelos desenvolvedores. Para registrar, basta publicar no Twitter a frase: Linguagem de Programação Favorita ‪#‎Code2014‬
A contagem segue até o dia 09 de janeiro, quinta-feira.
No site http://www.code2014.com/ você acompanha os dados da pesquisa em tempo real.

Só para registrar... da última vez que olhei, o JavaScript é a linguagem mais utilizada...

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

PILOTOS DE TESTE: Querendo ou não, você é um beta-tester

Li o artigo abaixo em uma edição recente da revista Scientific American Brasil e, como o autor, fiquei surpreso que a mentalidade de muitas empresas (e também de muitos desenvolvedores!) seja: vendemos o software depois corrigimos. Ou seja, usam clientes como testadores, porém esquecem de que quando alguém compra um software, o mínimo que se espera é que ele funcione adequadamente... e não que funcione após o Service Pack 1. O mesmo se espera de um serviço... Mesmo que a venda do software como serviço reflita melhor a natureza orgânica da contínua evolução do software, é necessário ter em mente que não se pode vender algo que não funciona. Quando o software, ou serviço, é fornecido de forma gratuita e o usuário é avisado que é um software inacabado sujeito a instabilidades, aí a história é outra, como o próprio autor diz. Cabe ao usuário optar por assumir o risco, ou não, de usar um software gratuitamente.
Acredito que o software tem uma evolução e desenvolvimento constantes. Um dos grandes modelos de negócio que vieram com o Movimento do Software Livre, foi fornecer o software e cobrar pelo serviço de desenvolvimento, suporte, personalização, etc. O mesmo vale para os modelos de software por assinatura, cuja assinatura geralmente é bem mais barata que o preço do software "na caixa", e o usuário recebe atualizações e melhorias constantes. O modelo por assinatura, pressupões melhorias e evolução constante.
Abaixo segue o artigo:

PILOTOS DE TESTE: Querendo ou não, você é um beta-tester
Por: David Pogue

Há alguns anos, dei uma aula na Columbia Business School chamada "O que torna o Sucesso, um Sucesso - e um Fracasso, um Fracasso". Como veterano revisando produtos tecnológicos, há 25 anos, pretendia oferecer o meu conhecimento a esse grupo de jovens idealistas e empreendedores.
Compartilhei, por exemplo, a história do Storm, o primeiro telefone BlackBerry touch-screen. A BlackBerry apressou o produto, cheio de bugs vergonhosos, esperando aproveitar a temporada de feriados de 2008. E nunca mais se ouviu falar dele.
"Nunca trate seus consumidores como beta-testers", concluí. "Acerte seu software de início. É difícil recuperar-se de uma primeira impressão ruim."
Acenei com a cabeça, satisfeito em ter sido claro - quando percebi que três ou quatro mãos se levantaram. Eram de alunos que passavam o verão trabalhando em empresas de software.
"Mas o software nunca está totalmente terminado", argumentou uma jovem. "Você vende algo que está razoavelmente pronto e sempre pode criar uma correção depois."
Fiquei estupefato. "Você venderia seu software sabendo que existem bugs nele?"
Nesse ponto, meus alunos já estavam revirando os olhos. "Professor Pogue, todo o software é vendido com bugs conhecidos. Você tenta consertar os maiores para a versão 1.0, mas depois precisa vendê-lo para garantir a entrada de dinheiro. Você sempre pode fazer o polimento depois." "Sério?", pensei.
No trem, de volta para casa, percebi que eles estavam certos sobre uma coisa: softwares defeituosos não são apenas falhas ocasionais; atualmente, essa é a regra. Empresas de tecnologia rotineiramente tratam seus clientes pagantes como beta-testers gratuitos.
E não são apenas bugs. Atualmente, desenvolvedores de software deixam o feedback do público guiar o projeto fundamental do software: que características ele oferece, como funciona.
Deixe-me esclarecer: eu sou um fã incondicional do financiamento coletivo. A sabedoria das massas sempre derrota a de alguns programadores. É por isso que programas com beta testing são tão vantajosos: fãs de tecnologia podem testar algum produto novo antes da hora (e modelar o seu desenvolvimento), e a empresa recebe milhares de cobaias procurando falhas - de graça.
É por isso que a Microsoft oferece todas as versões do Windows ao público meses antes de estarem terminadas. Este ano, pela primeira vez em muito tempo, a Apple fez o mesmo com o sistema operacional OS X Yosemite. E o Google é famoso por chamar seus serviços de "beta" durante muito, muito tempo. (O Google Docs ficou em beta testing durante três anos; o Gmail, cinco anos.)
Mas esses produtos inacabados são gratuitos e rotulados beta. As coisas se complicam quando empresas vendem produtos - sem dizer à audiência que o software não está pronto.
Parte de nossa insatisfação em receber softwares defeituosos provavelmente vem de nossa própria concepção de software - algo que é, de fato, finito. Softwares costumavam vir em caixas, com números de versões. Nós os entendíamos como marcos - um programa gravado em pedra.
Mas, atualmente, softwares são coisas vivas, entidades em constante evolução. Pense em aplicativos de celular: ninguém parece se importar com versões mais novas sendo lançadas constantemente, várias vezes ao ano. Ou websites: eles também são softwares, e estão em mudança perpétua.
Talvez seja por isso que a Adobe não produz mais versões encaixotadas e numeradas do Photoshop; em vez disso, a única maneira de obter o programa é se inscrever em sua evolução constante o ano todo.
Talvez seja hora de pararmos de pensar em programas tradicionais de maneira diferente. Talvez devêssemos abandonar edições numeradas e congeladas, como fez a Adobe.
Isso não eliminaria a frustração dos bugs. Mas, pelo menos, compreenderíamos a verdadeira natureza do software: um produto que nunca está terminado.

Fonte: Revista Scientific American Brasil, Ano 13, No. 151, Dezembro de 2014, Página 21.